Oftalmologista Dr. Matheus Sticca
A chave para o manejo do ceratocone é interromper a progressão da doença com o crosslinking e, em seguida, proporcionar a melhor visão possível, seja com lentes de contato ou procedimentos cirúrgicos.
É preciso levar em conta a motivação do paciente, sua habilidade na manipulação das lentes de contato, suas expectativas de visão e seu conforto.
Em pacientes que já são usuários ou tentaram usar lentes de contato no passado, mas não tiveram sucesso, é importante entender o modelo adaptado anteriormente e os aspectos dessa adaptação para o especialista, e, se necessário, propor os modelos de lentes mais avançados disponíveis atualmente.
As lentes de contato devem proporcionar boa visão e conforto, sem comprometer a saúde ocular.
Um conceito errado, propagado em muitos sites, grupos de discussão na internet e até mesmo por oftalmologistas, é que as lentes de contato tratam e previnem a progressão do ceratocone.
Os pacientes precisam entender que as lentes são importantes para proporcionar visão, mas não interrompem nem previnem a progressão da doença.
Além disso, é importante que o usuário de lentes seja avaliado regularmente para monitorar mudanças na córnea, na adaptação e na saúde ocular.
Não existe uma lente perfeita que funcione para todos os pacientes, por isso o oftalmologista precisa conhecer e ter disponível diversos modelos e opções de lentes para encontrar a que melhor se ajusta a cada caso.
PODE LENTES GELATINOSAS EM CERATOCONE? SIM!
Em casos leves, as lentes de contato gelatinosas, que são amplamente utilizadas no dia a dia por pessoas sem ceratocone, podem ser uma opção, especialmente nos pacientes com ceratocone que têm boa visão com óculos.
O ideal é selecionar uma lente de teste adequada para o grau do paciente e realizar um teste de adaptação de lentes de contato.
Se o paciente ficar satisfeito com a visão durante os testes, essa pode ser a opção final para o seu caso. Alguns pacientes têm a oportunidade de se livrar dos óculos para a prática de atividades esportivas e eventos sociais.
A grande vantagem das lentes gelatinosas é o conforto, acessibilidade, facilidade de uso e serem relativamente saudáveis, desde que sejam usadas corretamente.
Existem lentes gelatinosas especiais desenvolvidas especialmente para o ceratocone.
Elas são mais endurecidas e mais espessas do que as gelatinosas comuns, dessa forma proporcionando melhora da visão em casos de pouca irregularidade corneana.
Os maiores problemas das lentes gelatinosas específicas para o ceratocone estão relacionados à falta de oxigenação da córnea ou à incapacidade de proporcionar uma visão satisfatória.
LENTES RÍGIDAS GÁS PERMEÁVEIS
As lentes rígidas devem ser confortáveis, estáveis, saudáveis e proporcionar boa visão.
Antigamente, a única opção disponível para os pacientes com ceratocone eram as lentes rígidas corneanas e, em caso de falha na adaptação, era indicado o transplante de córnea.
Com o surgimento de novas técnicas para estabilizar a doença e melhorar a visão do paciente, também houve evolução no grupo das lentes rígidas.
Apesar dos avanços, as lentes rígidas ainda são a primeira opção em pacientes com córnea irregular.
Diversos modelos com desenhos mais complexos foram desenvolvidos para proporcionar maior conforto, visão e melhor adaptação aos diferentes formatos que o ceratocone pode apresentar.
A melhora da visão nas lentes rígidas ocorre porque sua superfície é regular e o filme lacrimal que preenche o espaço entre a lente e a córnea neutraliza as irregularidades presentes no ceratocone.
Uma lente bem adaptada é muito saudável e permite ao paciente a liberdade de usá-la por períodos mais prolongados.
Esse é um dos principais motivos pelos quais ela ainda é a primeira opção no tratamento visual de pacientes com ceratocone.
LENTE DE CONTATO EM PIGGYBACK (ADAPTAÇÃO A CAVALEIRO)
Em alguns casos, o médico pode encontrar uma lente rígida adequada e saudável para o paciente, mas este não consegue usá-la.
Para melhorar o conforto e a centralização da lente, pode-se utilizar uma lente gelatinosa de alta taxa de oxigenação (DK) entre a lente rígida e a córnea.
O paciente coloca primeiramente a lente gelatinosa no olho e depois coloca a lente rígida sobre ela.
Essa adaptação é feita em casos selecionados e traz benefícios para esses pacientes, mas é mais complexa, pois envolve questões relacionadas ao custo, manejo e higiene de duas lentes diferentes, além de oferecer menor oxigenação para a córnea em comparação com o uso isolado de uma lente rígida ou gelatinosa.
LENTES HÍBRIDAS
Nas lentes híbridas, o centro é feito de material rígido para melhorar a visão devido às irregularidades da córnea, e as bordas periféricas são feitas de material gelatinoso para ajudar no conforto e estabilidade.
Elas parecem ser uma boa opção para pacientes que se sentem desconfortáveis com lentes rígidas e têm dificuldade em manusear lentes esclerais.
Contrariando as expectativas, essas lentes podem ser mais confortáveis do que as rígidas, mas não tanto quanto as gelatinosas.
Aparentemente, elas não são comercializadas no Brasil no momento. As informações em buscas na internet são frustrantes para o paciente, que gostaria de ter uma opção relativamente perfeita em relação a visão e conforto. O que se encontra são artigos que citam a existência das lentes híbridas, porém não há maiores informações para o mercado brasileiro.
Fora do Brasil, as lentes híbridas mais utilizadas são a UltraHealth e a ClearKone, fabricadas pela Synergeyes, nos Estados Unidos.
LENTES ESCLERAIS
As lentes esclerais são usadas em casos de falhas no conforto ou estabilidade das lentes rígidas corneanas. Elas não costumam ser usadas como primeira opção.
São indicadas para ceratocones avançados com encurvamento e afinamento importantes, além de opacidades e cicatrizes na córnea.
As lentes esclerais são lentes rígidas gás permeáveis com um diâmetro muito maior que não encostam na córnea e se apoiam na esclera.
O líquido que preenche o espaço entre a lente e a córnea corrige as irregularidades corneanas e fornece lubrificação e proteção para o olho.
Ao encaixar no olho elas ficam estáveis (não se movimentam) e centralizadas.
Também fornecem conforto ao se apoiarem na esclera, que é menos inervada, o que tende a ser um problema em alguns usuários de lentes rígidas.
As lentes esclerais conseguem trazer visão, conforto e qualidade de vida para muitos pacientes com ceratocone tão avançado que não conseguem fazer suas atividades diárias e que normalmente iriam para transplante de córnea.
Analisando por esse ponto de vista, quando são bem indicadas, se tornam uma excelente opção para casos avançados.
O seu maior problema é em relação a oxigenação da córnea, que fica reduzida. Para amenizar esse efeito o paciente tem que trocar o líquido do reservatório da lente com intervalos regulares ao longo do dia.
O usuário de lente escleral não pode usar a lente o dia todo sem trocar o líquido do reservatório. Isso certamente irá trazer sérias consequências oculares e visuais ao longo do tempo.
A sua adaptação não é simples e muitos parâmetros são avaliados e considerados. Muitas vezes são necessários diversos ajustes para que fique o mais saudável possível e os efeitos colaterais que naturalmente surgem com o seu uso sejam minimizados.
O oftalmologista que adapta uma lente escleral deve se atentar para parâmetros como a compressão de vasos, o encaixe mais adequado na esclera, o toque na média periferia e a distância da lente da córnea (para não haver toque ou não ser excessiva).
Por isso, recomenda-se a adaptação com um profissional que tenha experiência tanto na adaptação quanto nos ajustes necessários, saiba reconhecer uma complicação e que esteja disponível para reavaliar o olho do usuário da lente, visto que as consultas de controle devem ser mais frequentes.
LENTES ESCLERAIS GUIADAS POR WAVEFRONT
A visão ainda é insatisfatória em muitos casos avançados de ceratocone, após adaptação de uma lente rígida ou escleral.
Embora os pacientes consigam ler parcialmente as letras da tabela de Snellen no consultório, no mundo real esse aspecto traz impacto no dia a dia.
Os pacientes e os seus médicos são forçados a aceitar o “está bom o suficiente” ou o “é o melhor que eu posso fazer”.
As lentes disponíveis nos dias de hoje não conseguem corrigir todas as imperfeições ópticas que estão presentes em olhos com ceratocone.
E por que as lentes não conseguem corrigir todas as aberrações e proporcionar visão satisfatória nesses pacientes?
Isso se dá principalmente devido às aberrações residuais.
Uma das principais fontes de aberrações residuais que as lentes não conseguem corrigir são as originadas na superfície posterior da córnea. As lentes só conseguem corrigir as alterações anteriores da córnea, que de fato são as que mais influenciam na visão.
Alguns estudos têm demonstrado que as Lentes Esclerais Guiadas por Wavefront têm potencial de corrigir essas aberrações finais de alta ordem que incomodam pacientes com ceratocone usando lentes rígidas ou esclerais e promover uma melhora ainda maior da visão.
Essas lentes ainda não estão disponíveis comercialmente, devido a complexidade exigida na sua adaptação, desenho e fabricação, que se tornam mais personalizados e feitos de maneira única só para aquele paciente, corrigindo suas aberrações de maneira direcionada.
Correções customizadas para indivíduos com ceratocone estão surgindo, mas ainda há um longo caminho antes dessas lentes estarem disponíveis no dia a dia.
ADAPTAÇÃO DE LENTES DE CONTATO APÓS CIRURGIA
LENTE APÓS O CROSSLINKING
Os pacientes que já são usuários de lentes de contato, sejam as gelatinosas, rígidas ou esclerais, podem retomar o uso das suas lentes assim que a superfície do olho estiver cicatrizada, normalmente de 2 a 4 semanas após o procedimento.
Para novos usuários, o tempo indicado para iniciar uma adaptação é também em média de 2 a 4 semanas.
Deve-se ter em mente que os efeitos de remodelamento do crosslinking podem alterar um pouco a superfície da córnea e o grau do óculos do paciente, por isso geralmente recomenda-se a adaptação em 3 meses, ou inclusive ter que readaptar uma lente que antes do procedimento estava bem adaptada.
LENTE APÓS ANEL
Após o implante de anel intraestromal ocorre a alteração do formato e uma leve saliência da córnea no local onde está situado o anel.
Na maior parte das vezes as lentes ideais são as gelatinosas (que tem um toque suave sobre a córnea) ou as esclerais (que não encostam na córnea). As lentes rígidas podem causar atrito nesse local de saliência causada pelo anel, podendo causar erosões da córnea, o que dificulta sua adaptação.
LENTE APÓS TRANSPLANTE DE CÓRNEA
Após o transplante de córnea é relativamente comum a necessidade do uso de óculos ou lentes para correção de altos graus de miopia, astigmatismo regular e irregular.
A adaptação de lentes de contato, sejam as gelatinosas, rígidas, ou esclerais, deve ser criteriosa pois podem prejudicar a oxigenação da córnea e provocar edema, falência ou rejeição do transplante.
Diversos aspectos da adaptação devem ser observados como o uso de materiais de alta oxigenação, evitar uso prolongado e reavaliar o paciente continuamente, para não prejudicar o transplante.
As lentes esclerais, em particular, podem prejudicar muito o transplante pois aumentam o risco de falência e rejeição, e por isso são adaptadas somente em casos onde as outras alternativas não tiveram sucesso.
Artigo escrito pelo Dr. Matheus Sticca. Este site tem caráter meramente informativo e não substitui as orientações fornecidas pelo seu oftalmologista.